Ontem passei por Amesterdão, numa tarde de primavera.
O passeio foi de ruas, lojas e a Dam Square.
Comprei uns AllStar, uma blusa e bebi uma coca-cola com gelo.
Tentei andar ao sol, pois à sombra a temperatura soprava fresca.
Andei até me cansar, até ter de voltar para a estação.
Apanhei o comboio ao final da tarde. Escolhi uma das carruagens de 2da classe e um lugar do lado da luz natural, junto à janela.
O assento era daqueles de 4 bancos, 2 de um lado virados para outros 2.
À minha frente um senhor de idade lia mergulhado num livro de Martin Brill, De Kleine Keiser.
O cabelo era grisalho, os olhos azuis, as rugas expressivas.
Recuou as pernas, antes esticadas, para eu me sentar à sua frente, e esboçou um sorriso cavalheiro.
Sentei-me à espera que o comboio partisse, à espera de chegar a Leiden, numa viagem comigo, com a minha música, os meus sacos e o resto da minha Coca-cola.
Uma senhora, talvez da mesma idade e de uma beleza leve, doce, chega entretanto.
Pergunta ao mesmo senhor algo em holandês, talvez se se podia sentar ao seu lado.
Ele, em tom afirmativo, esboça o mesmo sorriso de outrora, mas desta vez um tanto ou quanto mais cúmplice, sedutor até, e desvia-se para lhe ceder o lugar, retomando depois a sua leitura.
Ela, enquanto se senta, olha para ele e Ele, sentindo a abordagem, devolvo-lhe um novo olhar, profundo, mas sem sorrir.
Ela cora, nota-se. Os olhos verdes brilham enquanto o rosto se desvia em fugida, tímido.
Ele volta ao livro.
Ela ali fica, calada. Põe os óculos de sol, mexe no cabelo pintado, no colar de ouro que lhe realça o pescoço, enquanto, envergonhadamente, vai olhando-o de soslaio, tentando ambiguamente abordá-lo.
Ele nada faz, nada responde, continua apenas nas suas páginas, sentindo, contudo, o encanto dela.
Sem fechar o livro, pousa-o no colo, e, em retribuição, olha-a do canto do olho, enquanto observa as crianças que brincam nos lugares ao lado.
Ela, tentando disfarçar a agitação, mexe na mala, encosta-a ao peito, como se fosse sair na próxima paragem.
Não sai... e assim continua, nervosa.
Ele põe a mão no joelho esquerdo, vizinho ao braço direito dela, que repousa agora na perna.
Não se tocam, mas estão perto.
Não se falam, mas o desejo é recíproco.
Não se conhecem, mas são cúmplices.
Leiden. Ela tem de sair. Eu também, mas demoro-me em curiosidade.
Levanta-se, olha-o sob o pretexto da saída.
Ele devolve-lhe o olhar, lamentando a partida, o não tempo para a coragem, para o primeiro passo.
Ela lamenta também e move-se em direcção ás portas da carruagem.
Ele segue-a com os olhos, chamando-a sem a chamar.
Ela vira-se para trás tarde demais, quando ele já se voltava para a frente, desviando-se para o vidro segundos depois para a ver passar.
Ela passa, de perfil, num adeus infinito, num fim de uma história que não começou.
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5 comments:
adorei :)
Muito bom! :-)
Fiquei a imaginar como seriam as pessoas em causa...
oube lá recebi uma carta da esa.
dá pa abrir ou tá armadilhada?
:)
Saudades tuas ...
Lindo momento de prosa.
Que descricao fantastica, consegues envolver quem l'e a tua historia.
Olha e a tua Historia mas para os lados de Barcelona?
Bjs e boa viajem
Adios
Mano
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