tinha 10 anos e foi no externato joão XXIII que usei a minha primeira e única farda escolar. andava de amarelo eu, com uma saia ás riscas.
havia também uma carrinha amarela conduzida pelo sr. fernando, que todos os dias lá aparecia ás 9h15 na rua da padaria para me vir buscar.
foi lá também que recebi a maior colecção de livros escolares de que me lembro, entre os quais um livro branco, feito de papel e capa de cartolina, nada parecido com o padrão habitual de livros de escola. tinha uma imagem na capa desenhada a preto: a fada oriana.
adorei o livro. era um livro de histórias, só de histórias, usado nas aulas de português juntamente com um livro de exercícios e gramática bem mais sofisticado (e que eu odiava).
tinha tantas histórias... histórias em narrativas, poemas, fábulas, frases, excertos de coisas grandes que lá não caberiam. li-as todas, todas.
e pronto, excepto os gibizinhos da turma da mónica, foi o primeiro livro que li. um livro escolar de histórias.
(nunca o deitei fora. está na estante, já meio destruido do uso (extra)curricular e do tempo que já passou.)
neste livro descobri o único poema que decorei (e ainda sei de cor). há lá poemas bons, mas este era especial... foi nele que eu fiz uma grande descoberta (ou pelo menos pensava ter feito).
lembro-me de tê-lo lido e relido só pelo prazer da descoberta que fiz.
orgulhosa, esperei a aula onde o percorriria e teria oportunidade de expor a minha conclusão.
nunca o percorremos... bolas!
e pronto, cá vai:
o ladrão da filha é o poeta, ou não?
TOADA DO LADRÃO
A mim não me roubaram
Porque eu nada tinha.
Mas roubaram tudo
À minha vizinha.
Vejam os senhores:
Roubaram-lhe a ela
A filha mais grácil,
A filha mais bela.
Nem na sua casa,
Nem na freguesia,
Sequer no concelho,
Melhor não havia.
Prendada, bonita...
E depois... uns modos
De matar a gente,
De prender a todos.
Dizia a vizinha
Que era o seu tesoiro;
Que valia mais
Que a prata e que o oiro.
Que a não trocaria
Por coisa nenhuma;
Que filhas assim
Só havia uma.
Pois hoje um ladrão
Que há muito a mirava
Entrava-lhe em casa
Para sempre a levava.
É a minha vizinha
Dona de solares
E de longas terras
Com rios e pomares.
E de jóias raras
Que ninguém mais tinha,
Ei-la num instante
Pobrinha... pobrinha...
(Tem pomares ainda,
Tem jóias, tem oiro...
Mas de que lhe servem
Sem o seu tesoiro?)
- Vizinha e senhora,
Não me queira mal!
Se há ladrões felizes
Sou o mais feliz
Que há em Portugal.
Sebastião da Gama
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